Levanto-a e a encosto na estante. Os
cabelos dela são mais claros, mas a imaginação faria as luzes para mim. Ligo
Portishead e deito-a no tapete felpudo, que me lembra o chão de madeira
envernizada onde eu fiz dela minha mulher de verdade pela primeira vez. Mas
fico me sentindo culpado no meio de tudo aquilo: abraço-a e me lembro dela,
como se a moça de cabelos mais longos e escuros fosse alguém que já tinha
escapado da minha realidade há algum tempo.
Não deveria eu fazer
aquilo, diz meu senso de humanismo. Minha alma feminista reitera, estou
esnobando-a sem ao menos conhecê-la. Mas o amor... Ah, o amor: “A loira domina
você, não há nada o que fazer. I’m the
owner of your thoughts”. Tentei fazê-la alguém com uma personalidade
distinta da que minha mente pudesse criar, diferente para não igualar à dela.
Mas já era tarde, não tinha me dito seu nome e já estava presente naquele chão,
já estava sob mim.
O fluxo de maciez e
conforto que as mulheres proporcionam é, de certo modo, idêntico. Um homem
poderia ter sua única mulher pela vida inteira, pois não há o quê comparar, de
certa forma. O problema (lê-se a diferença) é a vida, os olhos, a face rubra de
prazer. Faço-me monogâmico, então: todas são ela. Ela me põe no chão, ela me
faz a própria libido, ela me tem e me explode em carnes, em coxas.
É aí que eu caio do éter
de minha mente e percebo o que faço. Estou com duas mulheres, mas não posso
chamá-las pelo nome dela. Nenhuma das duas, de fato, têm nome. Lição melhor do
que essa quanto à questão “por que não falar nessas horas”? Creio que sim,
apenas não serei onisciente o suficiente para ter outra reflexão à altura.
Estou ocupado, lembra?
Mas o pior não é o
silêncio arredio, não é a ilusão, não é a ausência dela. O que me enerva é me
lembrar que as mulheres têm peculiaridades distintas que acabam acordando-o e
pensando como os detalhes daquele momento real são novos. São interessantes. São
instigantes. Ela acabou de me deixar numa posição mais que agradável:
inovadora.
Passo a valorizá-la e
sair do meu alter ego apaixonado por ela. Faço carinho em sua nuca e mostro que
não a levei até meu apartamento à toa. Fico sóbrio o suficiente para dominar a
situação e me provar um galanteador barato, mas bom no que faz. Traço provado
pelas longas linhas deste conto: mulheres anseiam uma longa duração de prazer
carnal.
Apesar dos corpos suados
e do ligeiro cansaço, não faço a mínima idéia do tempo passado, muito menos
ligo para isso. Agora estou aproveitando e concretizando o que imaginei na
boate ao vê-la, antes dela me entorpecer na garagem de casa e tomar minha
mente, acendendo o amor fétido que me condena a dias alcoolizado, roendo com o
Dylan e um scotch.
Enfim, gemidos e falta
de ar pós-torturas criadas à minha experiência. Percebo que a fiz, de certa
forma, agradecida por estar ali comigo; fiz a noite valer a pena. Mas agora era
a minha vez, o meu desfecho, a minha morte. Morte que é desencadeada por
convulsão ligeira, dedos dormentes, sutil espasmo muscular. Morte que, logo
após, a faz ser alguém que me enoja, que me enjoa e me deixa cansado de
“amá-la”. Por que não era ela, por que não tinha cabelos loiros nem faces
rubras do jeito que o alter ego era acostumado e pedia.
É assim que descobrimos
a traição do desejo carnal: é depois do desentrelaçar que me torno alguém
imundo por não querê-la mais, apenas querer ela. Pobre homem, pobre mulher
qualquer.
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